Martin Mystère, O Detetive do Impossível Volumes 14 e 15

“A única verdade é que não há verdades certas.” (Martin Mystère 14, p.74)

Cálculos astronômicos e réstias que nos deixam com dias a mais em determinados ciclos no decorrer dos anos. Se isso parece um dejá vù, não se preocupe: um tema similar foi tratado pelo Anemia Cerebral na resenha de 10 Dias Perdidos (Sam Hart). Contudo, essa história dividida em duas edições Martin Mystére 14 – 29 de Fevereiro e Martin Mystére 15 – O dia que não existia nos presenteia com uma trama cheia de suspense, intrigas e assassinatos.

Situado no universo compartilhado da Editora Sergio Bonelli – que inclui títulos como Dylan Dog –, o mundo de Martin Mystère se destaca pelo seu suspense quase sherlockiano, integrado organicamente com a magia e o sobrenatural. As primeiras páginas da trama podem lembrar o ritual homicida da própria abertura do filme Sherlock Holmes (Guy Ritchie, 2009), não sendo coincidência também o cenário dessa história: a cidade de Londres. Nela, acompanhamos o Sr. Mystère, arqueólogo, antropólogo, perito em arte, colecionador de objetos incomuns e detetive do impossível, junto de Diana Lombard, sua noiva e assistente, e o guarda-costas Java, um homem de Neanderthal nos tempos modernos.

Roteiro: Andrea Pasini e Arte: Giovanni Romanini

Na página de apresentação “Curiosidades do Almanaque” de 29 de Fevereiro, o editor Júlio Schneider nos esclarece que a edição faz referência à virada do milênio, já que a história fora originalmente publicada em março de 2000 na Itália. Apesar do ano da virada ter ocorrido historicamente somente em 2001, a atribuição ao ano 2000 era simbólica e culturalmente vista como o fim de uma era. E isso era somado ao famigerado “bug do milênio” – quem é mais velho irá se lembrar que especialistas do mundo todo tinham medo de que todos os sistemas informatizados pudessem entrar em falha crítica e reconhecer o ano de 2000 como 1900, o que causaria um impacto global. Ainda falando sobre tempo, o mesmo prefácio nos apresenta o conceito de leap second, um ajuste ocasional no tempo através de precisos relógios atômicos, criados a fim de padronizar o tempo e os fusos horários mundialmente. Mas não se preocupe, pois o tema é explicado ao longo da aventura.

Martin e sua equipe viajaram a Londres para a divulgação de seu novo livro, Time Trivia, um compilado sobre a história dos calendários mundiais (hebreu, muçulmano, juliano, gregoriano) ao longo dos séculos, que inclui também análises sobre a aritmética e astronomia envolvidas no processo de criação dos mesmos, seus erros e tentativas de consertos. Recebido pelo Clube dos Twentyniners – exclusivo para os nascidos no dia 29 de Fevereiro –, Martin logo se vê envolto na investigação dos assassinatos de jovens mulheres nascidas nesta mesma data, com modus operandi idênticos, em rituais aparentemente sobrenaturais.

Assassinatos e rituais criam um clima tenso

Utilizando os conceitos de tempo apresentados, o roteirista Andrea Pasini e o desenhista Giovanni Romanini criam uma atmosfera mística em 29 de Fevereiro e O Dia que não existia, que têm como força um suspense instigante, repleto de pistas falsas, artimanhas e personagens paralelos aparentemente inócuos, mas vitais ao seu desfecho. Além disso, incluem de maneira natural diversas informações históricas e científicas, em grande parte através do livro de Martin, como a história do calendário gregoriano; o personagem histórico John Dee (1527 – 1608 ou 1609), tutor da rainha Elisabeth I, matemático, astrônomo e ocultista, que na vida real tratava mágica e ciência como uma só; a língua enoquiana é um termo cunhado por Dee, e teria sido revelado a ele pelos próprios anjos. Tais inserções não só enriquecem o roteiro, trazendo mais profundidade em um escopo quase conspiracionista (lembrando por vezes uma trama pulp de Indiana Jones em um cenário urbano), mas também informam o leitor de maneira indireta sobre esses fascinantes recortes da humanidade, sendo uma ferramenta astuta para a abordagem de História dentro de uma narrativa detetivesca.

Na continuação, o inimigo fica poderoso

Por fim, outro aspecto interessante é que a trama de O Dia que não existia ocorre exatamente um ano após a aventura anterior, trazendo um evento extraordinário digno do estalar de dedos do antagonista Thanos (Vingadores: Ultimato, 2019). A narrativa, com mesmo clima do enredo anterior, consegue captar nossa atenção do começo ao fim, como num ótimo filme thriller (ou um misto de Indiana Jones com A Lenda do Tesouro Perdido cosmopolita), em que os protagonistas devem correr contra o tempo, num jogo de gato e rato, ditado pela contagem de uma bomba temporal com consequências desastrosas para a humanidade.

Martin Mystère conseguiu nos manter fascinados do início ao fim pelo seu suspense e conteúdo informativo. Como curiosidade, o personagem ganhou uma série animada em 2003:

Animação feita pelo mesmo estúdio responsável por “Três Espiãs Demais”

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